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17 novembro 2003

A Arte da Cultura bem Gerir

Alves Monteiro já há 4 meses como Presidente do Conselho de Administração da Casa da Música ousou aceder, pela primeira vez, prestar declarações públicas. Luís Miguel Queirós e Sérgio Andrade conduziram a entrevista e Nelson Garrido fotografou, tendo sido este trabalho publicado no Público de ontem, nas pags. 46 e 47, podendo aceder através dos seguintes links: a, b e c.

O resultado todos poderão constatar, a serenidade, a prudência, o respeito e a atitude de decidir e fazer avançar um projecto com um espírito de missão, não curando que ele seja contra alguém. Somos convidados a em silêncio sorver, palavra por palavra, imagem a imagem, a pertinência e profundidade das questões e respostas.

Em tempos defendi, aquando da salgalhada da Metropolitana, que a gestão de empreendimentos de envergadura, mesmo os artísticos, deveriam ser entregues a profissionais da área de reconhecida competência, dando como exemplo a solução encontrada por Pedro Roseta para a Casa da Música. Não me enganei! Os links estão ali em cima para que possam ler, mas não resisto a transcrever algumas passagens que deverámos encontrar num manual (se ele existisse...) de gestão da coisa cultural. Não farei qualquer comentário, apenas pretendo humildemente aqui registar o que de muito bem neste país ainda se vai conseguindo fazer.

Vamos a isto.

Citação 1:

TÍTULO: Alves Monteiro manifesta-se contra as especulações feitas a partir de relatórios preliminares das auditorias em curso à anterior gestão da Casa da Música.

PÚBLICO: Baseando-se num relatório intercalar da empresa Ernst & Young, à qual encomendou uma auditoria, Rui Amaral acusou a administração presidida por Teresa Lago de ter cometido diversas irregularidades. O que pôde apurar confirma este cenário? Quando estará de posse do relatório final desta auditoria, bem como da que está a ser feita pelo Tribunal de Contas?

ALVES MONTEIRO: Não há ainda relatórios definitivos. O Tribunal de Contas não produziu ainda qualquer documento, mesmo que preliminar, e da Ernst & Young existem dois relatórios intercalares, embora o último seja já bastante avançado em termos conclusivos. Acredito que, nos próximos meses, possa já estar na posse de ambos os relatórios finais, o que permitirá fazer uma mais detalhada apreciação das conclusões, que serão, sempre, do domínio público. Tendo em conta que o objecto e o contexto das duas auditorias são os mesmos, o mais sensato será esperar pelas conclusões do Tribunal de Contas.

PÚBLICO: A informação prestada nos relatórios intercalares da Ernst & Young confirma as acusações de Rui Amaral?

ALVES MONTEIRO: Preferia não comentar isso. Os resultados de auditorias devem ser divulgados no momento próprio, e quando os trabalhos estão fechados. Não sou nada adepto de especular em torno de relatórios intercalares.

Citação 2:

PÚBLICO - O que levou um gestor de instituições financeiras, com um longo percurso nas bolsas, a aceitar o desafio de administrar uma Casa da Música?

MANUEL ALVES MONTEIRO - Devo confessar que, após a cessação de funções como presidente da Bolsa portuguesa, em Março deste ano, estava longe de pensar que viria a ter, poucos meses volvidos, uma ligação profissional a um projecto com as características da Casa da Música, uma área distinta, mas onde, afinal, idênticos princípios de rigor, de profissionalismo, de espírito de missão e, se quiser, de serviço público devem estar presentes. Aliás, por ser assim, sinto pouco a mudança e a diferença em relação a outros projectos por onde andei, ou que presentemente partilho com a gestão da Casa da Música. Sem dúvida que este projecto é muito aliciante, com uma ambição que o torna único no panorama cultural português, até pela expectativa que o rodeia e pela evidente complexidade que encerra.

PÚBLICO: Se esta administração herdou o mandato da que antes foi presidida por Rui Amaral, a sua missão resume-se a assegurar a conclusão da obra. Encara este lugar como uma tarefa a prazo certo, ou, se os accionistas assim o entenderem, admite manter-se no cargo, já com a Casa da Música a funcionar em pleno?

ALVES MONTEIRO: A herança que menciona não se resume a concluir uma obra de construção civil, por mais grandiosa que esta seja. O projecto que está cometido a este Conselho de Administração é bem mais do que isso. Desde logo, trata-se de criar as bases e os princípios centrais de uma componente editorial e de programação que se quer ambiciosa e que é, afinal, o coração substantivo do projecto. De seguida, pretende-se criar uma estrutura organizacional que suporte o projecto e o desenvolva, assente numa equipa de profissionais de elevada competência e espírito de missão. Pretende-se ainda que seja presente ao poder político uma proposta de modelo futuro de gestão do projecto, com uma clara ideia sobre a forma jurídica de organização, de governação e, naturalmente, de financiamento. Acompanhar as auditorias que vêm correndo na Casa da Música é também uma missão da administração. Tudo isto, em paralelo com a gestão de um conjunto vasto de intervenções no contexto da Porto 2001 - Capital da Cultura: obras de requalificação urbana e intervenções várias em equipamentos culturais. Quanto à questão que me colocam, o meu futuro imediato neste projecto está dependente da confiança que os accionistas tenham em mim, a cada momento. Sobre o futuro mais distante, não me quero pronunciar, até porque entendo que qualquer resposta poderá constituir um exercício inoportuno de especulação, fragilizador do projecto ou da minha missão.

citação 3:

PÚBLICO: Quando fala em componente editorial, está a referir-se, por exemplo, a edições discográficas?


ALVES MONTEIRO: Um dos caminhos que a Casa da Música pode seguir tem a ver com a edição discográfica, mas não é nesse sentido que uso a expressão. Qualquer manifestação cultural consistente deve sustentar-se num princípio editorial. A Casa da Música deverá acolher um espectro extremamente alargado de tipos de música, desde as expressões mais populares, incluindo as bandas filarmónicas, até expressões mais eruditas. O jazz, nas suas diversas dimensões, terá uma expressão muito forte, mas também, por exemplo, o pop-rock, o fado ou a cibermúsica. Mais do que popularidade, pretende-se que haja qualidade. Muitas manifestações culturais começam por ser marginais, e por vezes vivem muito tempo na marginalidade, mas não é por isso que não devem ser acarinhadas.

Citação 4:

PÚBLICO: A comissão parlamentar de Ciência e Cultura vai ouvi-lo, já na terça-feira, recebendo, depois, os anteriores presidentes da administração da Casa da Música. Não receia que estas audições acabem por resultar numa apropriação do projecto para efeitos de disputa partidária?

ALVES MONTEIRO: Os deputados têm o direito de querer estar informados sobre matérias que considerem relevantes. E todo o historial da Casa da Música, com as correcções nas datas de finalização da obra e os sucessivos valores alocados ao investimento, suscitou e ainda suscita preocupação. É natural que os deputados queiram perceber qual é hoje a situação, e também ficar com uma ideia de como se chegou aqui. E julgo que poderão ter interesse em conhecer quem está à frente da instituição. Agora, se me pergunta se temo que possa haver uma apropriação política da Casa da Música, é evidente que temo. Acharia preferível que um projecto com estas características se mantivesse distante do debate político-partidário, e creio que os próprios partidos reconhecerão isso, mas a realidade é o que é e temos de conviver com ela. O meu objectivo é trazer serenidade para o projecto, o que implica fornecer informação tão exaustiva quanto possível, mas, ao mesmo tempo, mostrar que estamos aqui com sentido de responsabilidade e espírito de rigor.

Citação 5:

PÚBLICO: Pedro Burmester é consultor da administração, reportando directamente ao presidente. Existe algum contrato que garanta que ele exercerá efectivamente a função de direcção artística do projecto, ou isso depende apenas da solidez da relação de confiança que mantiver com o presidente?

ALVES MONTEIRO: O trabalho que tenho desenvolvido com o dr. Pedro Burmester tem incidido na definição do modelo de programação para a abertura da Casa da Música e para a primeira temporada, bem como na definição das acções e eventos que deverão ser desenvolvidos. É evidente que este trabalho tem implícita uma vasta reflexão sobre os princípios editoriais futuros da Casa da Música, criando as bases programáticas do que deverá ser este equipamento. O dr. Pedro Burmester mantém o estatuto de consultor do presidente para a programação, tal como anunciei publicamente aquando da minha nomeação, e assim temos trabalhado. A organização futura da Casa da Música está ainda em fase de definição, e somente a essa luz será possível enquadrar a actuação futura do dr. Pedro Burmester, assim ele queira manter-se ligado a este projecto, como é minha convicção e intenção.

Citação 6:

PÚBLICO: A construção da futura sede do BPN nas traseiras da Casa da Música é um dado adquirido, ou acredita que possa ainda negociar-se uma solução alternativa?

ALVES MONTEIRO: Se tiver em conta a abertura que desde sempre senti da parte do presidente da Câmara do Porto e dos promotores do empreendimento, não estranharia que este "dossier" não esteja definitivamente encerrado e possa, ainda, sofrer mais evoluções positivas para a Casa da Música. Faz todo o sentido conceber que a zona a construir possa beneficiar de uma edificação que acumule a virtude de delimitar a área e de preservar dos olhares um espaço algo degradado e que em nada dignifica a grandiosidade do projecto do arquitecto Koolhaas. O que é necessário é que esta edificação possa ter a volumetria necessária e suficiente para garantir estes objectivos. O exercício de conceber uma volumetria obediente aos interesses da Casa da Música não foi feito logo após a decisão da sua implantação, o que poderá ditar, agora, resultados que colidam com os legítimos direitos adquiridos dos promotores. Daí que a composição final destes interesses seja difícil. Pena é que se tenha permitido que o terreno em questão tenha caído na esfera de interesses privados, legítimos e totalmente respeitáveis, sem que tenha sido feito o exercício que referi. Por certo que teria desvalorizado o valor do encaixe da venda que a Câmara do Porto no passado realizou; porém, o projecto pedia essa medida de boa gestão, tanto mais que, segundo julgo saber, a venda ocorreu em fase bem posterior à decisão de implantação da Casa da Música no local actual. Afinal, um acto de pequena visão a embrulhar um projecto grande. Queiramos que as gerações futuras perdoem as fraquezas de alguns que as precederam.

Citação 7:

PÚBLICO: Quando fala de crianças, está a sublinhar que é preciso investir no Serviço Educativo da Casa da Música?

ALVES MONTEIRO: Sim, mas as crianças, e a juventude em geral, também deverão ter um grande espaço espelhado na própria programação, que atenda aos seus diversos gostos, mesmo os mais vanguardistas e radicais.

Citação 8:

PÚBLICO: A programação da Casa da Música tem sido várias vezes acusada de elitismo. Parece-lhe uma crítica pertinente?

ALVES MONTEIRO: O que vem sendo feito está longe de ser exemplificativo daquilo que deverá ser a futura programação. Não se pode esquecer que não temos ainda a Casa da Música a funcionar. O que fazemos hoje é investir naquilo que irá ser um conjunto de agrupamentos residentes, que merecem e exigem um trabalho prévio, para garantir que amanhã terão um bom desempenho. Mas o princípio que, no futuro, deverá orientar a programação é o de um grande eclectismo, ao nível das manifestações e, sobretudo, do público.

Fim de citações.

Com humilde serenidade reflictemos.