“O Rumor de Espanha”,
assim de chamava o artigo de Eduardo Lourenço na Visão n.º 559, de 20 de Novembro, pag. 96.
Da unidade de Espanha à unicidade da Península Ibérica, do todo e das partes, ou das partes negadas que fazem o todo, é destas cogitações que se nos alimenta Eduardo Lourenço, sem uma conclusão, sem reprimenda, perante o eternamente adiado óbvio, inquietações que promove, nas as enuncia, apenas pretende que delas nos consciencializemos, antigas, mas pouco presentes, arredadas do dia a dia da “Agenda” imposta...
Transcreverei, sem um comentário, para partilharem salutarmente destas inquietações.
Seria estranho que aqui, ao lado de Espanha, de novo florescente potência europeia (quase excepção na sua genérica potência), não nos déssemos conta do mau estado político de fundo que ensombra aquilo que não é demais chamar “o milagre espanhol dos últimos 20 anos.
(...) esta Espanha que tem cravado no seu flanco o espinho basco, mas também o mais antigo sonho catalanista de se tornar nação assumida, e outros ainda menos virtuais mas não menos exigentes, não está nada interessada em separar-se da Europa em que retomou o seu antigo lugar imperial, mas apenas atenta a não se perder de si mesma.
(...) É estranho mas sintomático que o nosso discurso cultural, e ainda mais o político, reservem pouco espaço à questão que a Espanha é para si mesma.(...) Ora o futuro da Espanha interessa-nos vitalmente e é pouco lembrarmo-nos dele apenas em função da nossa histórica desconfiança e instintivo pânico.
(...) as tensões separatistas, independentistas ou autonomistas duras, não só questionam a Espanha no seu todo como exigem uma resposta do tipo novo.
(...) À primeira vista, estas reivindicações nacionalistas em tempos de construção europeia, obedecendo em princípio à supranacionalidade ou para ela tendendo, não nos diz directamente respeito. Quer dizer, a nós portugueses. Mas é um engano. Para nós, a nossa excepção de velha Nação política, cultural e historicamente, senão orgânica, coerente como poucas, na Europa e no Mundo, não é, claro está, problema. Mas não podemos impedir que o seja aos olhos dos outros e, em particular, no quadro da península.
Confessando-o ou não, todas as “nações virtuais” do espaço ibérico se sonham, ou já se vivem, como Portugais frustados ou portugais futuros. Tanto mais que, à parte essa incomum coerência identitária que nos é própria, qualquer dessas autonomias ou regiões são, objectivamente, mais ricas e poderosas que o nosso pequeno país.
(...)Pede-se à actual Espanha que aceite ou se prepare, quaisquer que sejam as suas consequências, para a proclamação unilateral duma superautonomia, cujo nome exacto e fatal não é outro que o de independência. Se a esta perspectiva se junta análoga pretensão da Catalunha, exigindo um alto grau de autonomia próximo do de Nação, também se vê mal como harmonizar essa hipótese coma a da actual Espanha, não só herdada de Franco, como de uma longa e complexa história em contínua reestruturação de cuja unidade, poder e sentido, se construíram mais de fora (da América) que de dentro.
(...) É uma questão política de uma Nação que surgiu de nações e ainda não se converteu numa espécie de Estados Ibéricos, onde os seus históricos egoísmos nacionais se dissolvem. Ou, na ausência dessa impossível coexistência, se harmonizassem. Só os espanhóis podem imaginar a solução para conviverem, aceitando-se, com as sua “pátrias virtuais. (...)"