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21 março 2004

Reflexões de fim-de-semana

1 -Depois de lamentar as mortes de Madrid, Francisco José Viegas manteve, no seu Aviz, um período de silêncio e só agora, na Grande Reportagem deste Sábado, é que leio as suas impressões, serenas, assertivas e muito distantes do que apelidou de excessos. Permita-se o excerto porque vale a pena ler quem busca, mesmo seguro das incertezas que o todos assolam, a segurança de analisar e caracterizar o que é possível com os dados existentes:

Foi uma lição importante para os governos e para os eleitorados. Aos governos ensinou o valor, ainda que oscilante, da palavra «transparência»; aos eleitorados mostrou a importância da sua força real. Há muito tempo que, na história política da Europa, a democracia nã dava sinais de uma tal vitalidade. Fiquemo-nos pelas lições acerca da transparência: a sensação de que o Ministério do Interior de Espanha sonegava informações, ou atrasava a sua divulgação, foi fatal. A essa sensação inicial acrescentou-se a confirmação do autismo: quando todos os dados apontavam para a inclusão de um bando terrorista árabe na lista dos possíveis autores dos atentados de Madrid, o Governo insistia na sua “tese basca”. Ou seja o PP perdeu as eleições por tentar manipular a informação – coisa que praticava, aliás, com abundante menosprezo pela inteligência dos cidadãos. Essa lição deve ser aprendida em Portugal, onde existe uma tendência semelhante para o autismo por parte de alguns ministérios: durante os incêndios de 2003, com o número das mortes durante a «vaga de calor», a propósito das listas de espera nos hospitais, sobre «a natureza do défice».
(...)
Infelizmente, há outro dado importante a reter das eleições espanholas: o valor do medo. O bando terrorista que matou 200 espanhóis a 11 de Março planeou antecipadamente a matança para a véspera das eleições. De certo modo, a Al-Qaeda, ou alguém por ela, votou antecipadamente em Atocha. O retrato da Europa, visto do céu tem muitas semelhanças com o de há sessenta anos. Com uma diferença: a ameaça, agora, vem de fora.(...)”


Estando-se ou não de acordo, a verdade é que, com a serenidade e seriedade com que nos habituou, não encontramos um juízo de valor sobre as eleições de 14 de Março que não sejam criteriosamente evidentes: a manipulação da informação por parte do governo espanhol; o poder do atentado em interceder nas intenções de voto; o perigo que ameaça a Europa que FJV vê muitas semelhanças com o terror nazi que conduziu à 2ª Guerra. E ponto.

É evidente que se poderá não estar de acordo, que não há uma só leitura, que nem sequer estamos ao corrente de todos os factos, mas valorizo, acima do mais, a ausência de intenção de querer fazer da sua leitura a única, a iluminada ou mesmo tentar maniquietar leituras diferentes. A isto eu chamo e dou muito valor, honestidade intelectual, um dos princípios mais ausentes nos tempos que correm, desde os políticos aos jornalistas, dos comentadores aos simples cidadãos, como eu!

2 – Ainda a propósito do massacre de Madrid e do que por aí se vai muito dizendo, permiti-me as seguintes reflexões e perguntas:

2.1 – Terá sido medo colectivo que conduziu os espanhóis a votar como votaram ou, pelo contrário, quiseram penalizar quem nada fez contra o terrorismo islâmico, sendo por isso, exigentes em pretender conhecer atempadamente os autores dos atentados para em massa votarem conscientemente, dando uma lição de democracia ao mundo?

2.2 – Tendo o futuro Primeiro-Ministro espanhol convidado para Ministro dos Negócios estrangeiros o encarregado europeu de acompanhamento da «crise israelo-palestiniana» não será um sinal de que pretenderá efectivamente envolver-se mais com a União Europeia na busca de uma resposta mais abrangente ao combate deste tipo de terrorismo?

2.3 – Tal como atrás felicitei a Grécia por pedir à OTAN que assuma a ajuda da protecção daquela país durante a realização dos Jogos Olímpicos, louvo o governo português se levar avante idêntico pedido para o «Euro 2004», pois é a melhor forma de pressionar a Aliança Atlântica a cumprir o objecto para que foi constituída – a defesa do Ocidente democrático!

2.4 – Foi com satisfação que ouvi o Primeiro-Ministro pronunciar-se sobre o massacre de Madrid em entrevista à RTP tendo constatado ser sua intenção reenquadrar-se num espírito europeu de defesa, com a natural ressalva de que não pode ser feito nem contra nem tão pouco ser a participação dos EEUU;

2.5 – O não cumprimento da promessa do PSOE de retirar as forças espanholas do Iraque caso o controlo não passe para a ONU, a verdadeira causa da sua vitória, seria tão ridículo como agora Portugal fazer uma retirada unilateral, tal como a Polónia se prepara para fazer, por dois motivos: não sabemos agora mais do que há já muitos meses – não há armas de destruição massiva; a retirada de países apoiantes da coligação invasora sem a força de um plebiscito seria, isso sem dúvida alguma, uma cedência aos propósitos dos terroristas islâmicos;

2.6 – Sobre a defesa do diálogo do Dr. Mário Soares com os terroristas e as reacções do Dr. Paulo Portas e do Dr. Pacheco Pereira julgo que os discursos têm tanto de antagónicos como próximos – são extremistas, falam do acessório (os meios) e não dos fins a paz e o combate ao terrorismo. Não são assertivos e negam o que de bom já se conseguiu pelo diálogo (Rabin/Perez e Arafat e RU/IRA)) e de mau (Hitler e Estaline). Meios são exactamente e tão só isso, apenas devem servir para atingir fins nobres e humanos sem, evidentemente, colocar em causa questões de princípio. Curiosamente, a este propósito e outros vejo o Sr. Dr. Pacheco Pereira cada vez mais próximo do Sr. Dr. Paulo Portas, em especial no extremismo! Estranho, mas contra factos...;

2.7 – Tal como antes, continuo a defender que um eficiente combate ao terrorismo islâmico passa por uma posição concertada da União Europeia e dos EEUU no quadro da OTAN. Colocar de parte alguns países europeus ou os EEUU será um erro gravíssimo que todos pagaremos elevado preço – nós, a civilização ocidental.

2.8 – Com o Rui Branco do Adufe, desde há muito que considero, tal qual Clinton o tentou, que quando a União Europeia e os Estados Unidos, a uma só voz, obrigarem israelitas e palestinianos a conviver em paz, a desarmarem-se, a respeitarem-se, o combate ao terrorismo islâmico será muito difícil. Se conseguirmos, dentro do máximo respeito por ambas as partes, impor a paz naquela região será o mais eficaz «cartão de visita» para demonstrarmos ao mundo que é pela paz que nos batemos, em qualquer ponto do globo.